segunda-feira, 9 de março de 2015

Estar presente


Participante: Fazendo um trajeto muito conhecido – ir ao trabalho, por exemplo – quase não percebo o caminho. Vou pensando em vários assuntos e não percebo o caminho pelo qual passo. O trajeto é feito como se fosse no automático. Quem é a mente neste caso e quem me levou até o destino?

Grande pergunta. É esse tipo de coisa que temos que ver e não ficar aqui discutindo coisas que não contribuem em nada com a prática do trabalho. 



Porque você não vê o caminho que faz? Você respondeu a isso na sua pergunta: porque ao longo do caminho vai pensando em diversas coisas. Olhe a prática do que já disse hoje: quando você não está atento à mente, vai com ela. 



Você acha que no caminho para o seu trabalho vai pensando. Não, isso não é real. Não é você quem está agindo (pensando), mas sim a mente. É ela que pensa e não você. Ela está criando o mar de ideias sobre os mais variados assuntos e não você que está tendo opiniões. 



Ela está criando as ideias, ela está criando as preocupações, ela está criando os compromissos. E você? Você, por não estar desperto, com a consciência de que precisa observar o funcionamento da mente, está completamente fora do seu aqui e agora, que é o caminho que está percorrendo. 



É isso que vocês precisam compreender: não são vocês que pensam. É a mente que lhe diz que você está pensando, quando na verdade é ela que está criando o mar de ideias. Você, como não está desperto, se deixa levar pelas ondas. Este é o primeiro aspecto.



Segundo. Você me pergunta quem lhe leva pelo caminho até o trabalho. Eu respondo: a vida. Digo isso porque o acontecimento material, o ato de se transportar, neste caso, é a vida que cria


Juntando agora as duas coisas, eu posso lhe dizer o seguinte: a vida está ali ao seu dispor para você vive-la, mas ao invés disso, está vivendo a mente. Ao invés de viver a vida, você está vivendo as preocupações, os compromissos, as chateações, etc. Não importa o que a mente está criando, o importante é saber que você não está vivendo a vida neste momento. 


Tudo isso que estou falando parece de uma ciência muito profunda, mas isso não é real. Tudo o que falei ao lhe responder são ensinamentos budistas. Sem os mitos, de mitologia, da religião budista, o que Sidarta Gautama ensinou foi isso. 



Ele, por exemplo, ensinou que devemos ter a atenção plena correta. A prática deste ensinamento, no caso da sua pergunta, no caso de ir de casa para o trabalho, é estar atento ao caminho que está percorrendo e não às criações mentais. É estar atento às coisas que estão acontecendo ao longo do caminho.



Quando você faz isso, vive a vida, pois tudo o que acontece ao longo da sua trajetória é a vida, a sua vida. Vivendo a vida, posso dizer que você está vivo. Agora, quando não está prestando atenção a essas coisas, você está vivendo a mente. Neste caso, por não estar vivendo a vida, posso dizer que você está morto.



É isso que precisamos conversar e não ficar querendo saber quem é o observador ou como a mente funciona. É preciso que vocês entendam muito claramente que a mente é um rio que vai estar lhe puxando com a força da sua correnteza para fora da vida o tempo inteiro. É preciso se conversar sobre isso para que vocês tenham a consciência de que enquanto estão sendo tragados pela correnteza dos pensamentos, a vida está passando na sua frente e vocês nem estão vendo. 



Por não viverem a vida que está acontecendo, quando ficam velhos, se perguntam: ‘o que fiz da minha vida’. Passaram o tempo inteiro no passado ou no futuro, que são os lugares que a mente explora. 
O resultado de nosso trabalho é lhe levar a sair de casa para o trabalho consciente que está se locomovendo para lá. Conscientes de tudo o que acontece no trajeto. 



Os antigos sempre diziam: coma devagar. Este é um grande conselho, é uma grande sabedoria. Quem come depressa não consegue saborear o alimento. Porque, então, vocês não se preocupam em comer devagar? Porque na hora que estão se alimentando não vivem este acontecimento. Estão viajando nas ondas das ideias criadas pela mente. Isso quando não estão vendo televisão ao mesmo tempo, não é mesmo?
Vocês vivem viajando nas marés da mente. Com isso, não aproveitam a refeição que têm. Comer consciente, vivo, vivendo a vida, é ver o garfo se encher, olhar a comida que irá ingerir e sentir o sabor dela. Como podem fazer isso se estão sempre ligado aos pensamentos que a mente cria? 



Aquele que é feliz, que está vivo, desperto, está consciente da comida que tem no prato, da garfada que vai a boca, da mastigação, do sabor dos alimentos. Só que vocês não vivem assim. Sabe, vou até me arriscar a dizer uma coisa. Se vocês vivessem assim, teriam muito menos dor de estômago do que têm.



Essa a felicidade de comer um prato de comida, mas não é isso que vocês entendem como ser feliz. No tocante a alimentação, a felicidade para vocês acontecem quando conseguem fazer um prato de comida que contenha o alimento que estão com vontade de comer. Mas, e quando não houver esse alimento, será que serão felizes? Além do mais, de que adianta fazer um prato com a comida que você gosta se depois vai sentar na frente da televisão, vai se concentrar na conversa com as pessoas ou vai navegar no mundo das ideias que a mente vai criar? Você não irá sentir o gosto de nada mesmo. 



Por isso disse que a sua pergunta era muito boa. É isso que precisamos fazer aqui: conversar sobre os acontecimentos da vida. O que não precisamos é ficar aqui discutindo ciência, querendo saber quem é ou quem é o observador ou coisas do gênero. 

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