Participante: Fazendo um trajeto
muito conhecido – ir ao trabalho, por exemplo – quase não percebo o caminho. Vou
pensando em vários assuntos e não percebo o caminho pelo qual passo. O trajeto é
feito como se fosse no automático. Quem é a mente neste caso e quem me levou até
o destino?
Grande pergunta. É esse tipo de coisa que temos que ver e não
ficar aqui discutindo coisas que não contribuem em nada com a prática do
trabalho.
Porque você não vê o caminho que faz? Você respondeu a isso na sua
pergunta: porque ao longo do caminho vai pensando em diversas coisas. Olhe a
prática do que já disse hoje: quando você não está atento à mente, vai com ela.
Você acha que no caminho para o seu trabalho vai pensando. Não, isso não é
real. Não é você quem está agindo (pensando), mas sim a mente. É ela que pensa e
não você. Ela está criando o mar de ideias sobre os mais variados assuntos e não
você que está tendo opiniões.
Ela está criando as ideias, ela está criando
as preocupações, ela está criando os compromissos. E você? Você, por não estar
desperto, com a consciência de que precisa observar o funcionamento da mente,
está completamente fora do seu aqui e agora, que é o caminho que está
percorrendo.
É isso que vocês precisam compreender: não são vocês que
pensam. É a mente que lhe diz que você está pensando, quando na verdade é ela
que está criando o mar de ideias. Você, como não está desperto, se deixa levar
pelas ondas. Este é o primeiro aspecto.
Segundo. Você me pergunta quem lhe
leva pelo caminho até o trabalho. Eu respondo: a vida. Digo isso porque o
acontecimento material, o ato de se transportar, neste caso, é a vida que cria.
Juntando agora as duas coisas, eu posso lhe dizer o seguinte: a vida está
ali ao seu dispor para você vive-la, mas ao invés disso, está vivendo a mente.
Ao invés de viver a vida, você está vivendo as preocupações, os compromissos, as
chateações, etc. Não importa o que a mente está criando, o importante é saber
que você não está vivendo a vida neste momento.
Tudo isso que estou falando
parece de uma ciência muito profunda, mas isso não é real. Tudo o que falei ao
lhe responder são ensinamentos budistas. Sem os mitos, de mitologia, da religião
budista, o que Sidarta Gautama ensinou foi isso.
Ele, por exemplo, ensinou
que devemos ter a atenção plena correta. A prática deste ensinamento, no caso da
sua pergunta, no caso de ir de casa para o trabalho, é estar atento ao caminho
que está percorrendo e não às criações mentais. É estar atento às coisas que
estão acontecendo ao longo do caminho.
Quando você faz isso, vive a vida,
pois tudo o que acontece ao longo da sua trajetória é a vida, a sua vida.
Vivendo a vida, posso dizer que você está vivo. Agora, quando não está prestando
atenção a essas coisas, você está vivendo a mente. Neste caso, por não estar
vivendo a vida, posso dizer que você está morto.
É isso que precisamos
conversar e não ficar querendo saber quem é o observador ou como a mente
funciona. É preciso que vocês entendam muito claramente que a mente é um rio que
vai estar lhe puxando com a força da sua correnteza para fora da vida o tempo
inteiro. É preciso se conversar sobre isso para que vocês tenham a consciência
de que enquanto estão sendo tragados pela correnteza dos pensamentos, a vida
está passando na sua frente e vocês nem estão vendo.
Por não viverem a vida
que está acontecendo, quando ficam velhos, se perguntam: ‘o que fiz da minha
vida’. Passaram o tempo inteiro no passado ou no futuro, que são os lugares que
a mente explora.
O resultado de nosso trabalho é lhe levar a sair de casa
para o trabalho consciente que está se locomovendo para lá. Conscientes de tudo
o que acontece no trajeto.
Os antigos sempre diziam: coma devagar. Este é um
grande conselho, é uma grande sabedoria. Quem come depressa não consegue
saborear o alimento. Porque, então, vocês não se preocupam em comer devagar?
Porque na hora que estão se alimentando não vivem este acontecimento. Estão
viajando nas ondas das ideias criadas pela mente. Isso quando não estão vendo
televisão ao mesmo tempo, não é mesmo?
Vocês vivem viajando nas marés da
mente. Com isso, não aproveitam a refeição que têm. Comer consciente, vivo,
vivendo a vida, é ver o garfo se encher, olhar a comida que irá ingerir e sentir
o sabor dela. Como podem fazer isso se estão sempre ligado aos pensamentos que a
mente cria?
Aquele que é feliz, que está vivo, desperto, está consciente da
comida que tem no prato, da garfada que vai a boca, da mastigação, do sabor dos
alimentos. Só que vocês não vivem assim. Sabe, vou até me arriscar a dizer uma
coisa. Se vocês vivessem assim, teriam muito menos dor de estômago do que
têm.
Essa a felicidade de comer um prato de comida, mas não é isso que vocês
entendem como ser feliz. No tocante a alimentação, a felicidade para vocês
acontecem quando conseguem fazer um prato de comida que contenha o alimento que
estão com vontade de comer. Mas, e quando não houver esse alimento, será que
serão felizes? Além do mais, de que adianta fazer um prato com a comida que você
gosta se depois vai sentar na frente da televisão, vai se concentrar na conversa
com as pessoas ou vai navegar no mundo das ideias que a mente vai criar? Você
não irá sentir o gosto de nada mesmo.
Por isso disse que a sua pergunta era
muito boa. É isso que precisamos fazer aqui: conversar sobre os acontecimentos
da vida. O que não precisamos é ficar aqui discutindo ciência, querendo saber
quem é ou quem é o observador ou coisas do gênero.
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