AH SE EU SOUBESSE
Quando chegamos ao plano espiritual, a maioria
dos espíritos pensa algo muito parecido:
– Ah se eu soubesse…
Se eu soubesse que a vida real não era na
matéria… se eu soubesse que a realidade não é de sofrimento, mas de paz e
liberdade… se eu soubesse que nada que existia na matéria é permanente, que lá é
tudo passageiro, eu não teria brigado no trânsito, batido nos meus filhos, me
apegado a tantas coisas efêmeras…
Ah se eu soubesse…. teria ajudado muito mais
gente, teria me enriquecido com amor e luz, teria deixado de lado esses
problemas pequenininhos, teria feito caridade aos necessitados, teria deixado o
amor fluir, teria me atirado no bem sem nenhuma preocupação, teria sido mais
humilde, teria vivido em paz…
Ah se eu soubesse… teria passado mais tempo com
aqueles que amo, teria me preocupado menos, teria tido mais paciência, teria me
soltado mais, me desprendido mais, teria vivido mais livre, de forma mais
espontânea, mais natural, teria visto o lado bom de tudo, teria valorizado as
coisas simples da vida.
Ah se eu soubesse… se soubesse que a vida na
Terra vai e vem, que tudo se esvai, que nada é permanente, que não existe algo
fixo, imutável. Se eu soubesse que tudo começa e termina, que os relacionamentos
começam e terminam, que a dor lateja e depois vem o alívio.
Ah se eu soubesse… se soubesse que os arrogantes
sobem, ficam no topo e caem por si mesmos; caem pelo seu próprio castelo de
cartas da ilusão que criaram. Se eu soubesse que os ricos podem se tornar pobres
de espírito, e que os pobres podem ser muito ricos de espírito. Se soubesse que
as diferenças sociais se extinguem, que na morte todos somos filhos do universo,
que a fome é saciada, que a sede é aliviada, que a violência só traz mais
violência, que os injustiçados são compensados, que os perdidos sempre se
encontram, e quem está demasiadamente seguro de si acaba se perdendo.
Ah se eu soubesse… que a vida espiritual é a
vida real, que as mágoas corroem o espirito, que a cobiça gera insatisfação, que
a lisonja só cria humilhação, que a preguiça gera estagnação. Se eu soubesse que
o medo é sempre maior do que a mente engendrou eu teria me arriscado mais, teria
ousado, teria tido a coragem de ser o que eu sou, teria retirado essa máscara
que encobria minha verdade, teria desatado o compromisso com o logro, com a
burla, teria assumido minha integridade sem divisões, sem fragmentos.
Ah se eu soubesse… não teria cortejado o
sucesso, não teria me atirado ao poço fundo, vazio e solitário da avidez, não
teria me enganado de que, ao atingir o topo, a descida é o único caminho. Se eu
soubesse que o mundo é uma doce miragem eu rejeitaria a pueril busca pela
sensualidade. Largaria com afinco os prazeres e vícios da juventude. Se soubesse
que tudo muda e nada se encerra, teria posto de lado as moléstias da
nostalgia.
Ah se eu soubesse, teria menos pressa, olharia
mais para a vida, veria mais o nascer do dia, comeria com calma o pão de cada
manhã, teria plantado uma árvore, corrido no jardim, deitado no chão e rolado na
grama. Teria mergulhado e me perdido no tempo, solto em reflexões sobre os
mistérios da vida. Teria me desimpedido de autocobranças, teria me aceitado como
sou e aceitado o milagre da vida como ele é.
Ah se eu soubesse… que o mar espiritual é
infinito de bençãos, não teria digladiado por um copo de água ao lado do
grandioso oceano da plenitude. Teria deixado todas as quimeras de lado, e vivido
mais a vida, a existência, o cosmos, a liberdade, o eterno presente e a eterna
aurora.
Ah se eu soubesse… teria renunciado aos hábitos
arraigados, as discussões estéreis, a especulação teórica. Se eu soubesse, teria
permanecido mais na natureza, observando os pássaros, molhando as mãos no rio,
sentindo o vento, me aquecendo ao sol da manhã, sujado as mãos na lama e sentido
o frescor da chuva. Se eu soubesse que sou um ser em desenvolvimento na essência
inesgotável e eterna da vida, teria sido infinitamente mais livre e
feliz.
Autor: Hugo Lapa
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