quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Lamento

“11. Estiveste lamentando-te por aqueles que não o merecem. Todavia, pareces falar como um sábio. Só que os verdadeiros Sábios não se lamentam nem pelos vivos nem pelos mortos”. (Bhagavad Gita – Capítulo 2)

O Bhagavad Gita conta a conversa entre Sri Krishna e Arjuna no campo de batalha, onde este último iria confrontar-se com seus parentes pela disputa do trono que havia sido roubado dele por sua parentela.

Arjuna inicia o diálogo com o mestre (capítulo 1 e parte do 2) expondo a Krishna o porque não queria lutar contra seus parentes. Alegava que não seria justo derramar sangue por coisas materiais, que a vitória não traria nada de bom a não ser posses materiais. Ou seja, Arjuna se lamentava dizendo que seria infeliz se tivesse de lutar como Krishna o incitava a fazer. 

Em resposta o mestre afirma: você esteve lamentando-se e quando o fez parecia um sábio, mas o verdadeiro sábio não lamenta nem pelo vivo nem pelos mortos. Para entendermos este ensinamento que o Bendito Senhor passa ao discípulo pergunto: o que é lamento, o que é lamentar-se pelos outros? 

Participante: Primeiro é não concordar. E em não concordando dizer que aquilo não deveria acontecer.

Perfeito. Lamentar-se é uma queixa. Mas, além da queixa, o lamento traz consigo a sensação de sofrimento.

O lamento, portanto, é uma queixa que se faz de uma situação onde se tem a sensação de sofrimento. É uma declaração da constatação de uma injustiça que causou um ferimento. Lamentar-se é declarar que alguém é vítima porque foi ferido por uma injustiça.

Krishna afirma que quem age assim parece um sábio. Por que quem lamenta parece um sábio?
Participante: Porque quem lamenta denota um conhecimento do que é justo.

Este é o primeiro detalhe no lamento. Aquele que se lamenta é considerado por si e pelos outros como sábio, pois sabe o que aconteceu. Na verdade quem se lamenta apenas acha que sabe, mas iludido pela mente, tem a plena convicção de que sabe.

Se alguém afirma alguma coisa sobre outra pessoa, objeto ou acontecimento, o ser humanizado agirá com sua suposta sabedoria afirmando que tem certeza de que o que a mente lhe diz é verdadeiro, é real. É neste conhecimento, que é ilusório, mas que o ser humanizado imagina que é real, que se fundamenta o lamento. 

Portanto, qualquer lamento nasce de uma sabedoria. O mundo inteiro lamentou o avião que bateu nas torres e as destruíram. Por que? Porque o mundo inteiro sabe que não se pode fazer aquilo, que é errado matar.

Este é o primeiro aspecto que leva ao lamento humano: a sabedoria cultural. Todo lamento surge de uma verdade humana, de uma cultura humana. Você não se lamenta pelo que não sabe; só se lamenta quando raciocina sobre um acontecimento e chega a uma conclusão e nela constata um sofrimento originado numa injustiça.

Por isso parece sábio quem se lamenta. Mas o mestre diz que o verdadeiro sábio não se lamenta. Vamos chegar neste aspecto, mas antes precisamos nos aprofundar mais na sabedoria que leva ao lamento.

Há uma outra sabedoria humana envolvida no lamento que precisamos compreender antes de entender o ensinamento do Bendito Senhor. Para compreendê-la, pergunto: se você passar frente a uma pessoa passando fome e não se lamentar o que dirá a sociedade sobre você?

Participante: Que eu sou frio, que não tenho sentimentos.

Ou seja, existe um padrão emocional que lhe é cobrado pela humanidade frente a determinados acontecimentos. 

Portanto, além da sabedoria cultural (ter conhecimento das coisas) o ser humanizado também possui um saber emocional. Sábio emocionalmente é aquele que sofre quando a humanidade acha que deveria sofrer e que se alegra quando isto for cobrado pelos padrões humanos.

O lamento, então, além de ser fruto de uma sabedoria cultural também nasce de um saber sentimental. Ou seja, dos padrões sentimentais do planeta.

Compreenda que existem situações onde você, mesmo não querendo, é obrigado a sofrer para poder ser considerado como um ser humano. Aquele que sofre, que vê sofrimento nos acontecimentos onde a humanidade exige que assim o seja, é, então, considerado um sábio, porque ele sabe a cultura do planeta.

Agora, eu faço uma pergunta. Se você vê uma criança com fome na rua o que pode fazer para ajudá-la?

Participante: Abrigá-la, alimentá-la, dar carinho e proteção.

Tudo isso realmente ajuda a resolver o problema daquela criança. Mas, o seu sofrimento, em que pode ajudá-la? Em nada. Pelo contrário, piora. 

Digo isso porque quando alguém está sofrendo e outro joga mais sofrimento sobre ele, a dor aumenta. E você sabe disso. Sabe que quando está sofrendo e alguém se lamenta ao seu lado a sua dor piora. Mas, não consegue deixar de agir assim com os outros. 

Então veja. Esta sabedoria sentimental (sofrer quando os padrões exigem) é simplesmente um conceito do planeta, mas que não traz nenhuma melhoria para o próximo. 

Você tem que sofrer ao ver uma pessoa mutilada? Por que? Tem que cuidar dela, ajudá-la, encaminhá-la a um médico, mas não precisa sofrer. 

Lembra-se da parábola do Bom Samaritano? O sacerdote e o levita se apiedaram do homem que tinha sido agredido, mas nada fizeram. O samaritano ao contrário, pôs mãos à obra e socorreu quem estava ferido e por isso foi considerado como exemplo por Cristo. 

A piedade ou sofrimento com a dor dos outros não ajuda em nada a pessoa que está passando por uma vicissitude negativa em sua existência. Pelo contrário, atrapalha.

Quer um exemplo? Quando você está por baixo e chega uma pessoa e diz 'coitadinho, como é azarado, injustiçado, perseguido', você não piora? Agora, quando alguém lhe levanta a moral incitando-o a sair daquela situação chamando-o para passear, se divertir, esquecer a mágoa, não melhora?

É por isso que Krishna diz que o verdadeiro sábio não se lamenta por nada, nem pelo vivo nem pelo morto. Ele não sofre ao ver uma cena onde a sabedoria (cultural e emocional) do planeta diz que tem que sofrer. Pelo contrário, age. Como o bom samaritano da parábola ensinada por Cristo age buscando auxiliar, resolver o problema e não perde tempo sofrendo.

Mas, como deixar de sofrer onde se imagina que se tem que sofrer? Como agir em auxílio ao próximo sem sofrimento? Entendendo os desígnios de Deus.

O que é uma criança passando fome? Para vocês é um acontecimento, um fato. 

Para o ser humanizado todos os fatos da vida são gerados no momento presente, ou seja, são vivenciados sem ligações a coisas do passado. Um acontecimento, um fato, para vocês algo que surge do nada ou do azar, da sorte, da casualidade, que são nada, pois não existem. 

No entanto, tenha a certeza: não existe neste planeta acontecimento que não se vincule a fatos anteriores na existência do espírito. Nada que se sucede na vida do ser encarnado é um acontecimento sem vínculo anterior. Isto porque a vida é uma sucessão de carmas, ou reações a ações anteriores e não formada por acontecimentos ou fatos sem precedentes que levem a eles.

O que você esta passando hoje foi originado no que você mesmo causou antes, ou seja, é apenas a reação a uma ação anterior, o efeito perfeito gerado por uma causa. Buda ensina assim: quer saber quem foi você ontem? Veja quem é hoje. Quer saber quem será você amanhã? Veja o que faz hoje.

Portanto, aquela criança não está ali por uma ação externa. Ela não está ali por negligência do governo, por falta de caridade da sociedade, mas está ali por um carma do espírito. Aquilo é o que o ser universal precisa e merece passar.

Esta cultura, entretanto, não lhe leva a não ajudá-la, mas lhe leva a compreender a situação. Quando esta nova compreensão estiver presente na humanidade, ao invés de sofrer porque a criança está passando a fome, todos louvarão a Deus por estar dando ao espírito a oportunidade da elevação espiritual.

Mas não será por isso que a humanidade deixará de socorrer aquela criança . Cada um fará a sua parte ajudando-a, mas fará amorosamente, com felicidade por participar do amor de Deus e não participando de um acontecimento errado, de um ferimento, de uma mágoa, onde teria que sofrer.

A humanidade ajudará o espírito encarnado na criança, mas terá a consciência que aquela fome foi escolhida pelo próprio ser universal antes do nascimento como raiz do seu “livro da vida”. Ao abandonar o padrão humano e vivenciar o espiritual, a humanidade terá consciência do que está ensinado em O Livro dos Espíritos: o espírito escolhe antes do nascimento a natureza da sua prova. 

Por isso viverá o acontecimento com uma nova cultura, ou seja, o ser que anima aquela criança escolheu antes de nascer vencer algumas coisas e para que a vitória ocorresse, Deus escolheu a fome como instrumento da provação. 

Atingido este padrão cultural, o lamento extingue-se, ou seja, o padrão emocional não será mais o do sofrimento, mas o da vivência da glória de Deus, da emanação do Senhor dando a quem precisa o que necessita. É isto que ensina Krishna quando afirma que o verdadeiro sábio não se lamenta nem pelos vivos nem pelos mortos.

Agora, volto a repetir, isso não pode lhe levar à inação, ou seja, passar por uma criança e apenas dizer que o espírito precisa e merece, pois se você está passando por ali, você também precisa e merece ver aquilo e é o seu carma ajudar aquela criança. Esta criança é um espírito que pode já ter lhe ajudado muitas vezes na eternidade e agora, pela graça divina, chegou a oportunidade de retribuir. Portanto, o acontecimento também é uma prova para você. 

A única coisa que a consciência espiritualizada (aquela que compreende a “vida carnal” como instrumento da realização espiritual) lhe tira é a obrigação de sofrer, mais nada. O ser espiritualizado ajuda o próximo, leva a criança para casa, dá banho, comida, educação ou até a cria como sua filha, mas em momento algum sofre ou lamenta pela situação que o espírito encarnado está vivendo.

Ele faz o que quiser ou puder fazer, mas não sofre, porque sabe que quando se lamenta com alguma coisa está acusando Deus de ter cometido um ferimento através de uma injustiça.

É por isso que Krishna diz que o verdadeiro sábio não se lamenta por nada, mas se regozija com o Pai em todas as situações. “Louvado seja Deus porque hoje eu não tenho comida para comer”... “louvado seja Deus que o ladrão entrou na minha casa e me roubou”.... “louvado seja Deus que o que eu tenho para viver hoje é isso”.

Nunca afirmei que o ser espiritualizado deve parar de trabalhar materialmente, de buscar comida ou até desistir de querer as coisas materiais, pois isso seria uma ilusão. O que sempre afirmei é que quando o ser se espiritualizar passará a compreender toda a vida a partir de Deus e, com isso, deixará de se lamentar pelas coisas da vida. 

Aprenda que o seu lamento é a declaração expressa de que você não concorda com a situação que Deus fez com todo amor e carinho para que você pudesse evoluir.

Participante: Na teoria isso é muito bonito, mas na prática é muito difícil. Chega na hora nos deixamos levar pelo sofrimento e pelo lamento...

Por que você se deixa levar pelo lamento?

Participante: Não sei dizer. Estamos ouvindo estes ensinamentos há algum tempo, mas chega na hora...
Deixe-me criar um exemplo que lhe explique o que está passando. Crie um passarinho dez anos aprisionado numa gaiola e um belo dia abra a porta da gaiola e veja se ele voará. Com certeza não, pois os passarinhos que vivem a vida inteira no cativeiro nem sabem que estão presos, por isso não buscam a saída, mesma que ela esteja aberta.

É por isso que chega na hora não consegue por em prática: você nem sabe que está presa. Você nem sabe que é uma prisioneira.

Você é uma prisioneira da humanidade do planeta Terra, ou seja, prisioneira da sabedoria cultural e sentimental do planeta. Imagina que a cultura que vive é sua e que as emoções que vivencia nascem no seu interior, mas isso é ilusão. 

Se a verdade do planeta lhe diz que não pode gostar de determinada coisa passa a não gostar imaginando que isto é “certo” para você, mas não entende que, na verdade, é uma escravidão a padrões pré-fabricados, que já existiam muito antes de você nascer e aos quais se subordinou. Eles não foram gerados por você, criados como fruto do seu entendimento, mas adquiridos por osmose, por se achar humano.

Participante: Acho que já estamos tendo consciência de que somos prisioneiros, mas é que o padrão está tão arraigado dentro de nós, que chega na hora não conseguimos estancar o fluxo da emoção. Hoje acho que já consigo sofrer menos, mas ainda não consigo parar de me lamentar.

Por isto este ensinamento. Se você hoje já consegue constatar que não deveria sofrer, o próximo passo é, então, parar de lamentar-se. 

Joaquim de Aruanda

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