quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Controvérsias sobre o flúor

Controvérsias sobre o flúor

Pesquisas recentes sugerem que o tratamento da cárie com fluoreto em excesso pode ser perigoso

Muito antes dos debates acirrados sobre cigarro, DDT, amianto, ou o buraco na camada de ozônio, a única controvérsia relacionada à saúde de que a maioria dos americanos tinha ouvido falar era a da fluoretação da água (tratamento da água potável pela adição de flúor). Nos anos 50, centenas de comunidades espalhadas pelos Estados Unidos se envolveram em calorosas discussões sobre se os fluoretos – compostos iônicos que contêm o elemento flúor – deveriam ou não ser adicionados aos sistemas de abastecimento de água. De um lado estava uma grande coalizão formada por cientistas do governo e das indústrias, que argumentavam que a adição de fluoreto à água potável protegeria os dentes contra as cáries. Do outro, ativistas para quem os riscos da fluoretação haviam sido estudados inadequadamente e a prática equivaleria à medicação compulsória – e, portanto, a uma violação das liberdades civis.

Os defensores dos fluoretos venceram a contenda, em parte ridicularizando seus oponentes, como a John Birch Society¸ associação direitista para a qual a fluoretação seria um plano comunista para envenenar os americanos. Hoje, cerca de 60% da população dos Estados Unidos bebe água fluoretada, incluindo os habitantes de 46 das 50 maiores cidades do país. A prática da fluoretação foi adotada também no Canadá, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e mais alguns outros países. Os críticos geralmente são repudiados pelos pesquisadores e agências de saúde pública desses países como pessoas enfadonhas ou fanáticas. Em outras nações, entretanto, a fluoretação da água é rara e controversa. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos consideram a fluoretação da água como uma das dez maiores realizações da saúde do século 20, juntamente com as vacinas e o planejamento familiar.
No entanto, a postura científica atual em relação à fluoretação pode estar mudando justamente no país onde a prática começou. Em 2006, após passar mais de dois anos revisando e debatendo centenas de estudos, um comitê do Conselho Nacional de Pesquisa (NRC, na sigla em inglês) publicou um relatório que deu um toque de legitimação a algumas das antigas colocações feitas pelos opositores da fluoretação. O relatório concluiu que o atual limite de fluoreto na água potável, indicado pela Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) – 4 miligramas por litro (mg/L) – deveria ser diminuído por causa dos altos riscos, tanto para crianças como para adultos. Nas crianças, a exposição constante ao fluoreto a 4 mg/L pode descolorir e desfigurar os dentes permanentes – a fluorose dental. Nos adultos, pode aumentar o risco de fraturas ósseas e, possivelmente, de fluorose esqueletal moderada, doença que provoca enrijecimento das articulações. A maior parte da água potável fluoretada contém muito menos fluoreto que o limite indicado pela EPA, mas a situação é inquietante, pois ainda há muita incerteza sobre a quantidade adicional de flúor que ingerimos por meio da alimentação, bebidas e produtos de higiene bucal. Além disso, o conselho criado pelo NRC observou que o fluoreto pode também desencadear problemas de saúde mais sérios, como câncer ósseo e danos ao cérebro e à tireóide. Embora esses efeitos ainda não estejam provados, o NRC argumenta que precisam ser mais bem estudados.

Um dos maiores e mais longos estudos sobre os efeitos do fluoreto é o Iowa Fluoride Study, liderado por Steven M. Levy, da Faculdade de Odontologia da University of Iowa. Nos últimos 16 anos, a equipe de Levy monitorou de perto cerca de 700 crianças do estado de Iowa, para tentar identificar os efeitos mais sutis da fluoretação que talvez tenham sido negligenciados por estudos anteriores. Ao mesmo tempo, Levy também lidera um dos trabalhos mais abrangentes para medir as concentrações de fluoreto em milhares de produtos – incluindo alimentos, bebidas e cremes dentais –, e assim desenvolver estimativas mais confiáveis do quanto estamos ingerindo de fluoreto.

Trata-se de uma área de pesquisa altamente complexa, pois a alimentação, os hábitos de higiene bucal e os níveis de fluoretação da água variam muito, e também porque os fatores genéticos, ambientais e culturais parecem deixar algumas pessoas mais suscetíveis que outras aos efeitos benéficos e maléficos do fluoreto. Apesar de todas as incertezas, Levy e alguns outros pesquisadores partilham a visão de que algumas crianças, especialmente as mais novas, provavelmente estejam ingerindo mais fluoreto que deveriam. Eles aceitam a fluoretação da água como um método aprovado para o controle das cáries, principalmente nas populações em que a higiene bucal é deficitária. Mas acreditam que, nas comunidades com bom cuidado dental, os argumentos a favor da fluoretação não são tão poderosos como seria de esperar. “Em vez de apenas procurarmos elevar os níveis de fluoreto, precisamos descobrir o equilíbrio”, adverte Levy.
O Advento do Fluoreto

Anúncios de creme dental de mais de meio século estão pendurados nas paredes da sala de reunião de Levy. Uma dessas propagandas, da pasta de dente Pebeco, pergunta: “Você quer dentes feios e doloridos?”. Outro anúncio diz que “O creme dental Colgate com clorofi la acaba com o mau hálito”. São produtos da era pré-fluoreto, quando a deterioração dental – chamada de cárie na terminologia odontológica – estava por toda parte e os cremes dentais eram comercializados com apelos medicinais questionáveis.

A introdução do fluoreto mudou toda a cena. Em 1945, a cidade de Grand Rapids, em Michigan, tornou-se a primeira a fluoretar seu fornecimento de água. Dez anos depois, a Procter&Gamble lançou Crest, o primeiro creme dental fluorado, e que continha fluoreto de estanho (composto formado por um átomo de estanho e dois de flúor). A Colgate-Palmolive seguiu os mesmos passos em 1967, modificando o seu produto com aquele que se tornaria um dos ingredientes mais predominantes de combate à cárie nas pastas de dente: o monofluorofosfato de sódio. Em vez dos sais de fluoreto, encontrados nos cremes dentais e preferidos pelos dentistas, a maioria dos fornecedores de água finalmente acabou optando pela forma mais barata de fluoretação com os silicofluoretos, como o ácido hexafluorssilícico, produto derivado de um processo de fabricação de fertilizantes em que os minérios fosfáticos são tratados com ácido sulfúrico.

Nos anos 70 e 80, os Estados Unidos foram inundados por diversas formas de fluoreto, e a fluoretação se tornou a pedra fundamental da odontologia preventiva na maioria dos países de língua inglesa. Exatamente por que e como a maior parte das incidências de cárie diminuiu é assunto muito controverso, mas o consenso entre os pesquisadores dessa área é que o declínio foi rápido, e os fluoretos merecem muito desse crédito.

Foi nesse cenário que Levy ingressou na odontologia sanitária, em meados dos anos 80. A Colgate-Palmolive financiou suas primeiras pesquisas, que procuravam encorajar o uso do fluoreto nos consultórios odontológicos. Mas quando os dentistas americanos começaram a observar queda na incidência de cáries e aumento da fluorose nos dentes dos seus pacientes mais jovens, Levy se perguntou se as crianças estavam mesmo sendo beneficiadas pela fluoretação. “Houve uma mudança no meu modo de ver aquele problema. Passei de uma postura em que ‘mais fluoreto seria a nossa meta definitiva’ para outra em que teríamos de saber qual o melhor ponto de equilíbrio entre a incidência de cáries e a fluorose.”
Ação no Organismo

O papel dos fluoretos, provocando uma doença e combatendo outra, tem sua raiz no poder de atração que os íons de flúor exercem sobre os tecidos do corpo que contêm cálcio. De fato, mais de 99% dos fluoretos ingeridos, não excretados em seguida, vão para os ossos e os dentes. Eles inibem o aparecimento das cáries por dois mecanismos distintos: no primeiro, os fluoretos que entram em contato com o esmalte – a camada dura e branca que recobre a superfície do dente – incrustam se nas estruturas cristalinas da hidroxiapatita, o principal componente mineral dos dentes e dos ossos. Os íons flúor substituem alguns dos grupos hidroxila nas moléculas de hidroxiapatita do esmalte e isso torna os dentes mais resistentes à ação do ácido que dissolve o esmalte. Esse ácido é excretado pelas bactérias da boca, quando consomem os restos de alimentos. No segundo mecanismo, os fluoretos da superfície dos dentes funcionam como catalisadores que aumentam a deposição de cálcio e fosfato, facilitando a reconstituição dos cristais de esmalte pelo organismo, dissolvidos pela ação das bactérias.

Os fluoretos apresentam um efeito bem diferente quando altas doses são ingeridas por crianças cujos dentes permanentes estão se desenvolvendo e ainda não nasceram. As principais proteínas no início da formação dos dentes são as amelogeninas, cuja função é regular a formação dos cristais de hidroxiapatita. Quando se forma uma matriz de cristal, as amelogeninas decompõem-se e são removidas durante a maturação do esmalte. Mas quando algumas crianças consomem altas doses de fluoreto, absorvidas pelo trato digestivo e depois transportadas pela corrente sangüínea até os dentes em formação, os sinais bioquímicos falham.

As proteínas permanecem dentro do dente que está germinando por um período maior do que o normal, criando assim falhas na estrutura cristalina do esmalte. Como resultado, quando os dentes com fluorose finalmente irrompem, muitas vezes apresentam coloração desigual, com algumas partes mais brancas que outras – efeito visual provocado pela luz refratária que incide sobre o esmalte poroso. Nos casos mais graves a superfície dos dentes fica marcada por manchas marrons. Tanto a alimentação quanto a genética podem influir no desenvolvimento da fluorose, mas o fator mais importante, sem dúvida, é a quantidade de fluoreto ingerido.

Com verbas subvencionadas pelo Instituto Nacional de Pesquisa Dental e Craniofacial, Levy resolveu determinar a quantidade de fluoreto que as crianças estavam consumindo e como isso estaria afetando seus dentes e ossos. Não há nenhum nível ótimo para a ingestão diária de fluoretos que seja universalmente aceito, ou seja, não há nenhum nível que maximize a proteção contra as cáries ao mesmo tempo que minimiza o risco de outras doenças. Mas o limite freqüentemente citado pelos pesquisadores varia de 0,05 a 0,07 mg de flúor por kg, de acordo com o peso da pessoa.
No início da década de 90, quando as crianças do estudo de Levy ainda eram bebês, ele descobriu que mais de um terço delas estava ingerindo fluoretos – principalmente via leite em pó, alimentos e sucos – em quantidade suficiente para colocá-las sob alto risco de desenvolver fluorose branda nos dentes permanentes. Essa quantidade diminuiu um pouco quando a alimentação das crianças mudou, no período em que começaram a caminhar – momento crítico para a formação do esmalte nos dentes pré-emergentes. A ingestão de fluoretos permaneceu alta nos bebês que entraram na fase de caminhar, em parte porque os cremes dentais substituíram o leite em pó suplementar como fonte de fluoretos. Embora tanto as crianças como os adultos supostamente eliminem o creme dental ao enxaguar a boca logo após a escovação, Levy descobriu, em seus primeiros estudos, que os bebês que estão aprendendo a andar ingerem metade da pasta de dente usada na escovação.

Na época em que as crianças de Iowa já estavam com 9 anos e seus dentes permanentes anteriores tinham surgido, era evidente que a primeira exposição aos fluoretos havia deixado as suas marcas. Os dentes da frente das crianças que entraram para grupo de alta ingestão de fluoretos como lactentes, ou quando aprenderam a andar, estavam duas vezes mais propensos a mostrar os sinais de fluorose em comparação aos das crianças que haviam ingerido menos fluoretos quando eram mais novas. E, quando a alimentação se tornou mais diversificada, o mesmo se deu com as fontes de fluoretos. Testes realizados no laboratório de Levy revelaram, por exemplo, que muitos tipos de sucos e bebidas gasosas contêm fluoretos em quantidade suficiente (geralmente 0,6 mg/L) para que a ingestão de pouco mais de 1 litro por dia seja equivalente ao normal de uma criança de 3 anos com nível ótimo de consumo de fluoretos, e isso sem levar em conta outras fontes do dia-a-dia.

Presença em Alimentos

Vários
itens alimentares testados pela equipe de Levy continham altas concentrações de fluoretos: uma média de 0,73 mg/L no suco de mirtilo (fruta silvestre comum nos Estados Unidos), 0,74 mg/L em picolés, 0,99 mg/L no molho de carne e 2,1 mg/L no siri enlatado, por exemplo. Na maioria dos casos, os fluoretos vieram da água adicionada durante o processamento desses alimentos, embora altos níveis dessa substância também estivessem presentes em uvas e uvas-passas, graças aos pesticidas; nos produtos com carne de frango processada por causa da trituração das carcaças, e nas folhas de chá, devido à absorção através do solo e da água.

Levy descobriu que a exposição à água fluoretada foi mesmo o fator de risco mais importante para a fluorose. Em Iowa, crianças de 9 anos que viviam em regiões com água fluoretada eram 50% mais propensas à fluorose branda em, pelo menos, dois dos oito dentes permanentes da frente que crianças da mesma idade, mas de regiões com água não-fl uoretada (houve 33% de prevalência no primeiro caso contra 22% no segundo). Resultados semelhantes apareceram no relatório do NRC. Eles mostraram que bebês e crianças que estão começando a andar nas comunidades onde o suprimento de água foi fluoretado ingerem duas vezes mais fluoretos que deveriam. O comitê do NRC também notou que os adultos que consomem quantidades de água acima da média, incluindo atletas e trabalhadores, estavam também excedendo o nível ótimo de ingestão de flúor.
Com exceção dos casos mais graves, a fluorose não provoca maiores impactos à saúde, mas baixa a auto-estima das pessoas: as marcas nos dentes não são nada atraentes e não saem de jeito nenhum, embora haja tratamento para mascará-las. A questão mais importante é se os fluoretos têm outros efeitos além de alterar a bioquímica da formação do esmalte dos dentes. Pamela DenBesten, pesquisadora de longa data do fluoreto da Faculdade de Odontologia da University of Califórnia em São Francisco, avalia: “Sabemos que os fluoretos influenciam o modo como as proteínas interagem com o tecido mineralizado; assim, qual seria o efeito dessa interação em outras partes do organismo, em escala celular? O fluoreto é muito poderoso e precisa ser tratado com mais atenção”.

Fluoreto e Ossos

O osso é o local mais óbvio para procurar fluoretos, pois é lá que eles estão mais concentrados. Além disso, estudos de pacientes com osteoporose – doença óssea que aumenta o risco de fraturas – têm mostrado que altas doses de fluoretos podem estimular a proliferação dos osteoblastos, células responsáveis pela formação do osso, mesmo nos pacientes mais idosos. O mecanismo exato ainda é desconhecido, mas os fluoretos parecem fazer isso ao aumentar a concentração de proteínas tirosinas fosforiladas, envolvidas na sinalização bioquímica dos osteoblastos. Como no caso do esmalte dos dentes, entretanto, os fluoretos não apenas estimulam a mineralização dos ossos, como também parecem alterar sua estrutura cristalina – e nesse caso os efeitos não são apenas estéticos. Embora os fluoretos possam aumentar o volume do osso, a dureza desses órgãos fica comprometida. Estudos epidemiológicos e testes em animais de laboratório sugerem que a alta exposição ao fluoreto aumenta o risco de fratura óssea, especialmente nas populações mais vulneráveis, como idosos e diabéticos. Embora os estudos ainda sejam um tanto controversos, nove dos 12 membros do conselho criado pelo NRC concluíram que a exposição à água potável fluoretada a 4 mg/L ou mais, durante toda a vida, certamente aumenta o risco de fratura óssea. O comitê notou, também, que níveis mais baixos de fluoretação podem aumentar esse risco, mas as evidências são vagas.

Quando as crianças de Iowa entrarem na adolescência, Levy espera que as análises da resistência de sua espinha dorsal, quadris e de todo o esqueleto apontem para possíveis conexões entre a ingestão de fluoretos e a saúde dos ossos. Ele apresentou alguns dados preliminares em 2007 que mostraram poucas diferenças no conteúdo mineral dos ossos de crianças de 11 anos, com base na quantidade de fluoreto que haviam ingerido quando eram mais novas. Levy avalia que, na adolescência, essas tendências poderão se acentuar.

A maior questão relacionada ao debate sobre os fluoretos é se esses conhecidos efeitos celulares nos ossos e nos dentes são indícios de que o fluoreto está afetando outros órgãos e desencadeando outras doenças além da fluorose. O maior debate corrente é sobre o osteossarcoma – a forma mais comum de câncer ósseo e o sexto tipo de câncer mais comum em crianças. Pelo fato de os fluoretos estimularem a produção de osteoblastos, vários pesquisadores têm sugerido que isso pode induzir tumores malignos. Um estudo de 1990, conduzido pelo Programa de Toxicologia Nacional do Governo dos Estados Unidos, descobriu uma relação dose-resposta positiva para a incidência de osteossarcoma em ratos machos expostos a diferentes quantidades de fluoretos na água potável (todas essas quantidades, típicas para os estudos animais, estavam bem acima das atuais exposições descobertas nas comunidades onde a água foi fluoretada). Mas outros estudos com animais, bem como estudos epidemiológicos em populações humanas têm sido ambíguos na melhor das hipóteses.
Interpretações Científicas

A última contenda sobre fluoreto e osteossarcoma foi instigada por uma jovem pesquisadora chamada Elise B. Bassin, da Faculdade de Odontologia Médica da Harvard University. Elise coletou informações sobre exposição ao fluoreto entre 103 pacientes com osteossarcoma e 215 pacientes de um grupo-controle. Concluiu que o fluoreto é um fator de risco para o aparecimento de câncer entre os meninos, mas não entre as meninas. O trabalho de Elise apareceu em 2006 no periódico Câncer Causes and Controls; na mesma edição, Chester Douglas, orientador da sua dissertação, escreveu um comentário em que adverte os leitores para serem “especialmente cautelosos” na interpretação das descobertas de Elise, porque, segundo ele, os melhores dados ainda não haviam sido publicados, contrariando as conclusões a que ambos haviam chegado. Grupos antifluoretação e alguns grupos ambientais rapidamente se apressaram em defender Elise, exigindo que a Harvard investigasse Douglas, pesquisador sênior e chefe da cadeira de epidemiologia da Faculdade de Odontologia, por, supostamente, distorcer o trabalho de Elise e por ter um conflito de interesses, pelo fato de ser o editor-chefe de uma revista para dentistas, fundada pela Colgate. A investigação de Douglas, feita pela universidade, terminou em 2006 e chegou à conclusão de que não houve nenhuma distorção ou conflito de interesses.

Discordâncias sobre os possíveis efeitos neurológicos do fluoreto também têm sido intensas. Phyllis Mullenix, então do Instituto Forsyth em Boston, acirrou a controvérsia no início dos anos 90, quando relatou que experimentos com ratos de laboratório mostraram que o fluoreto de sódio pode se acumular no cérebro e afetar o comportamento animal. Ela notou também que exposições pré-natais se correlacionam com a hiperatividade em ratos jovens, especialmente machos, enquanto exposições após o nascimento têm efeito contrário, tornando as ratas “preguiçosas”, nas palavras de Phyllis. Embora sua pesquisa tenha sido publicada no Neurotoxicology and Teratology, ela foi criticada por outros cientistas que afirmaram que a sua metodologia era falha e que ela tinha usado altas dosagens. Desde então, uma série de estudos epidemiológicos na China tem associado altas exposições aos fluoretos com baixo QI. Algumas pesquisas têm também sugerido um possível mecanismo para explicar essa associação: a formação dos complexos de fluoreto de alumínio – pequenas moléculas inorgânicas que imitam a estrutura dos fosfatos e, desse modo, influenciam a atividade enzimática no cérebro. Há, também, alguma evidência de que os silicofluoretos usados na fluoretação da água possam aumentar a absorção do chumbo no cérebro.

O sistema endócrino é outra área em que existe evidência do impacto do fluoreto. O comitê do NRC concluiu que o fluoreto pode alterar sutilmente as funções endócrinas, especialmente na tireóide – glândula que produz os hormônios que regulam o crescimento e o metabolismo. Embora os pesquisadores não saibam como o consumo de fluo reto pode provocar alterações na tireóide, os efeitos parecem estar influenciados pela dieta e pela genética. De acordo com John Doull, professor emérito de farmacologia e toxicologia do Centro Médico da University of Kansas, que preside o comitê do NRC, “as alterações na tireóide me preocupam. Há algumas coisas aqui que precisam ser exploradas”.
A Controvérsia Continua

A publicação do relatório do NRC não provocou pânico coletivo contra a fluoretação da água, nem induziu a EPA a, rapidamente, baixar seu limite de fluoreto de 4 mg/L (a agência diz que ainda está estudando o assunto). Os fornecedores de água que adicionam fluoreto normalmente mantêm os níveis entre 0,7 e 1,2 mg/L, bem abaixo do limite da EPA. Cerca de 200 mil americanos e milhões de pessoas na China, Índia, Oriente Médio, África e Sudeste Asiático – bebem água com concentrações mais altas que o limite, mas nesses casos os excessos de fluoreto vêm de fontes naturais, das rochas e dos solos que abrigam as fontes de água.

O relatório, entretanto, motivou alguns pesquisadores a investigar se mesmo 1 mg/L é muito para a água potável, levando em conta o crescente reconhecimento de que alimentos, bebidas e produtos de higiene bucal são, também, fontes muito importantes de fluoretos, principalmente para crianças pequenas. O comitê do NRC não tratou formalmente a questão, mas sua análise sugere que níveis muito baixos de fluoretação da água podem apresentar riscos. “O comitê constatou que viemos mantendo o statu quo dos fluoretos por muitos e muitos anos, e agora precisamos lançar um novo olhar sobre essa questão”, considerou Doull. “Na comunidade científica, as pessoas tendem a pensar que isso já é assunto acabado. Eu entendo quando o chefe da Saúde Pública dos Estados Unidos [equivalente a ministro da Saúde] vem a público declarar que foi uma das dez maiores realizações do século 20, que dificilmente será superada. Mas quando olhamos para os estudos que têm sido realizados, descobrimos que muitas dessas questões ainda não estão bem fundamentadas e que temos muito menos informações que pensávamos, levando em conta esse tempo todo de fluoretação. Acho que é por isso que essa prática ainda vem sendo desafiada, mesmo passados todos esses anos. Diante das dúvidas, as controvérsias se alastram.”

Alguns dos mais antigos pesquisadores do fluoreto, no entanto, não se deixaram impressionar pelas evidências dos efeitos dessa substância que vão além dos dentes e dos ossos.
- Pesquisadores estão intensificando os seus estudos sobre o fluoreto adicionado à maioria dos sistemas de água públicos dos Estados Unidos. Pesquisas recentes sugerem que o consumo em excesso de fluoreto pode aumentar os riscos de doenças que atacam os dentes, os ossos, o cérebro e a glândula tireóide.

- Relatório de 2006 feito por um comitê do Conselho Nacional de Pesquisa (NRC) recomenda a diminuição do limite atual para a concentração de fluoreto na água, por causa dos altos riscos para a saúde das crianças e dos adultos.

A fluoretação da água espalhou-se pelos Estados Unidos desde a introdução em 1945. Em 2002, o ano mais recente com dados disponíveis, os americanos que receberam água fluoretada representaram 67% de todas as pessoas abastecidas pelos sistemas de água públicos e 59% do total da população. A fluoretação da água prevalece nos distritos de Colúmbia (100%) e Kentucky (99,6%); sendo menos comum no Havaí (8,6%) e em Utah (2,2%). No Brasil, de um total de 5.507 municípios, 2.466 recebem água fluoretada, atendendo a 53% da população, equivalente a 100 milhões de pessoas. A primeira cidade brasileira a receber água tratada com flúor foi Baixo Guandu (ES), em 1953, para diminuir a incidência de cáries, principalmente entre as crianças.

O papel dos fluoretos no combate às cáries tem suas raízes no poder de atração dos íons flúor ao esmalte, a camada dura e branca que recobre os dentes.

Sem fluoreto
O mineral primário do esmalte é a hidroxiapatita, cristal composto de cálcio, fósforo, hidrogênio e oxigênio. Quando restos alimentares se depositam entre os dentes, as bactérias consomem o açúcar e excretam ácido lático, que pode abaixar o pH da boca o suficiente para dissolver a hidroxiapatita. Se a taxa de dissolução é mais rápida do que a taxa de remineralização – a deposição de íons cálcio e fosfato no esmalte, a partir da saliva –, então as cáries se formarão nos dentes.

Com fluoreto
A aplicação local de fluoreto nos dentes tem dois efeitos. Primeiro, os íons flúor substituem alguns dos grupos hidroxila das moléculas de hidroxiapatita, criando cristais de fluorapatita, que são um pouco mais resistentes ao ácido excretado pelas bactérias. Segundo, o fluoreto na superfície dos dentes serve como catalisador que intensifica a deposição de cálcio e fosfato, remineralizando o esmalte danificado e combatendo a cárie.

Os centros para Controle e Prevenção de
Doenças dos Estados Unidos avaliaram a fluoretação como uma das dez maiores realizações da saúde pública do século 20, ao afirmar que a adição dessa substância à água potável tem sido uma das principais razões para o declínio da incidência de cárie das últimas quatro décadas (medida pelos dentes cariados, faltantes ou obturados, em crianças com 12 anos). Porém, as taxas de dentes cariados também caíram abruptamente em muitos países onde os sistemas de água públicos não são fluoretados. Em algumas dessas nações, fluoretos adicionados aos alimentos, bebidas e produtos de higiene bucal podem ter contribuído, em parte, para esse declínio.

O limite ótimo para a ingestão diária de fluoreto – o nível que maximiza a proteção contra a cárie dentária, mas minimiza outros riscos – geralmente é considerado entre 0,05 e 0,07 mg por cada kg do peso do corpo. O consumo de alimentos e bebidas com grandes quantidades de fluoreto pode determinar uma dieta muito acima desse limite. A lista abaixo mostra alguns níveis típicos de fl uoretos, medidos em parte por milhão (ppm), descobertos nos alimentos e bebidas testadas na Faculdade de Odontologia da University of Iowa.

3,73 ppm Chá preto

2,34 ppm Uva-passa

2,02 ppm Vinho branco

1,09 ppm Suco de maçã aromatizado

0,91 ppm Café coado

0,71 ppm Água de torneira (média nos Estados Unidos)

0,61 ppm Caldo de galinha

0,60 ppm Coca-cola diet (média nos Estados Unidos)

0,48 ppm Cachorro-quente

0,46 ppm Suco de grapefruit (toranja)

0,45 ppm Cerveja

0,45 ppm Batata-roxa assada

0,35 ppm Queijo tipo cheddar

0,33 ppm Farinha para tortillas

0,32 ppm Creme de milho (alimento para crianças)

0,23 ppm Sorvete de chocolate

0,13 ppm Chá de camomila


Os riscos do fluoreto já eram conhecidos bem antes dos seus benefícios. Partindo na primeira década do século 20, um dentista chamado Frederick McKay viajou o oeste dos Estados Unidos investigando relatos do que ficou conhecido então como Colorado brown stain (Manchas marrons do Colorado). Com a colaboração de G. V. Black, da Northwestern University Dental School, McKay descobriu que as crianças nascidas em Colorado Springs, no Colorado, tinham dentes maculados, ao contrário dos adultos que se mudaram para lá. Eles consideraram que as crianças mais novas, cujos dentes permanentes ainda não haviam irrompido ou desenvolvido esmalte, enfrentavam os maiores riscos de desenvolver as manchas. McKay, que considerou que as máculas eram provocadas por algum componente desconhecido da água potável local, também notou um fato curioso: os dentes manchados eram surpreendentemente resistentes à cárie.

As causas permaneceram desconhecidas até 1930, quando McKay viajou para o Arkansas para investigar relatos de dentes manchados em Bauxita, cidade mantida pela Aluminum Company of America (Alcoa). Com receio de que o alumínio pudesse ser o culpado, o químico-chefe da Alcoa, H. V. Churchill, testou a água local e descobriu algo que McKay nunca havia suspeitado: altos níveis de fluoreto que ocorriam naturalmente. McKay rapidamente testou outros suprimentos de água suspeitos e descobriu que em todo lugar em que os níveis de fluoreto eram altos – normalmente 2,5 mg/L ou mais – as manchas marrons do Colorado predominavam. Uma nova doença entrava para o léxico: fluorose.

Estimulado pelas descobertas de Churchill e McKay, Henry Trendley Dean, pesquisador e chefe da unidade de higiene bucal do Instituto Nacional de Saúde, tentou determinar quanto fl uoreto seria sufi ciente para desencadear fluorose. No final dos anos 30 ele havia concluído que níveis abaixo de 1 mg/L provocariam pouco risco. Dean lembrou que McKay havia descoberto que os dentes fl uoretados eram resistentes às cáries, e, assim, começou a lutar para que se fizesse um teste, em uma cidade, de um método que viria a ser revolucionário: adicionar fluoreto deliberadamente à água, em níveis que deteriam as cáries sem desencadear fluorose. Ele realizou seu projeto em 1945, na cidade de Grand Rapids, Michigan. Assim, Dean veio a se tornar o principal defensor da fluoretação como primeiro diretor do novo Instituto Nacional de Pesquisa Dental, cargo que presidiu de 1948 até se aposentar, em 1953. – D. F.

Fonte: Internet

Patterns of fluoride intake from birth to 36 months. Steven M. Levy, John J. Warren, Charles S. Davis, H. Lester Kirchner, Michael J. Kanellis e James S. Wefel, em Journal of Public Health Dentistry, vol. 61, no 2, págs. 70-77, junho de 2001.

Patterns of fluoride intake from 36 to 72 months of age. Steven M. Levy, John J. Warren e Barbara Broffitt, em Journal of Public Health Dentistry, vol. 63, no 4, págs. 211-220, dezembro de 2003.

Timing of fluoride intake in relation to development of fluorosis on maxillary central incisors. Liang Hong, Steven M. Levy, Barbara Broffi tt, John J. Warren, Michael J. Kanellis, James S. Wefel e Deborah V. Dawson, em Community Dentistry and Oral Epidemiology, vol. 34, no 4, págs. 299-309, agosto de 2006.

Age-specific fluoride exposure in drinking water and osteosarcoma. Elise B. Bassin, David Wypij, Roger B.Davis e Murray A. Mittleman, em Cancer Causes and Control, vol. 17, págs. 421-428, maio de 2006.

Caution needed in fluoride and osteosarcoma study. Chester W. Douglass e Kaumudi Joshipura, em Cancer Causes and Control, vol. 17, págs. 481-482, maio de 2006.

Fluoride in drinking water: a scientific review of EPA’s standards.
National Academy of Sciences, 2006.

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