sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O documentário que a SeaWorld não quer que você veja

O filme “Blackfish” está ajudando a mudar a percepção sobre animais selvagens criados em cativeiro.

Fala das orcas do Sea World, um dos maiores parques do mundo, frequentado pelos brasileiros que invadem Orlando todo ano. A diretora Gabriela Cowperthwaite se concentra basicamente na trajetória de Tilikum, um macho capturado na Islândia aos 2 anos, em 1983, e na da treinadora Dawn Brancheau, morta por ele em 2010.

Vários adestradores dão seus depoimentos sobre como trabalharam num circo em que criaturas gigantes e inteligentes fazem piruetas para turistas. Narram a falta de informação sobre acidentes. Os casos abafados. Funcionários do Sea World aparecem mentindo sobre o tempo médio de vida dessas baleias na natureza e no confinamento (é bem mais alta no mar, ao contrário do que eles dizem) e sobre o colapso da barbatana dorsal dos machos (algo que só ocorre nos tanques).

Há imagens de ataques brutais a humanos. Não há registro disso na natureza. Tilikum está envolvido em três mortes. Ainda assim, virou o reprodutor do parque, que vende orquinhas de pelúcia às crianças nas lojinhas. 

Não é difícil compreender a agressividade ou imprevisibilidade desses animais, que nadam até 160 quilômetros no oceano e são obrigados a dar voltas em piscinas, ganhando como prêmio por seus números sardinhas de um balde com gelo.

Gabriela não é ativista e o tom não é panfletário. Ela esteve com as filhas gêmeas no Sea World quando as meninas tinham 4 anos. Em 2010, cobriu a morte de Dawn Brancheau. Dawn foi jogada de um lado para o outro, afogada, mastigada — sob as vistas da plateia. Gabriela não parou mais de apurar e foi descobrindo um mundo estranho e escuro.

Orcas de diferentes comunidades são obrigadas a conviver. Mãe e cria são separadas se a dinâmica entre elas não funciona. Uma das cenas mais impressionantes é o ataque a um treinador, em que uma fêmea morde seu pé direito e afunda. Fica pelo menos um minuto e volta à superfície. Solta o pé direito e pega o esquerdo. Mergulha novamente. Reemerge. O ritual se repete. O homem mantém a calma. No segundo em que se vê livre, sai nadando como um torpedo, tentando fugir. É perseguido.

O Sea World não colaborou com o documentário. Mais tarde, por causa da enorme repercussão, foi obrigado a responder. Publicou uma carta aberta com alguns pontos — todos contestados pela diretora. No fim do ano, oito dos dez artistas programados para se apresentar num evento cancelaram sua participação, entre eles Willie Nelson, Heart e Barenaked Ladies.

Um jornal de Orlando realizou uma enquete perguntando aos leitores se a percepção que tinham do lugar havia mudado. Surpreendentemente, mais da metade disse que não. Intrigado, um repórter de um site resolveu investigar a procedência desses votos. Mais de dois terços vinham de um mesmo IP — cujo domínio era seaworld.com.

Eu estive lá com meus filhos. O show de Shamu (nome padrão para todas as orcas) é competente como o de Madonna. Talvez melhor. Canção-tema envolvente e brega tocada em alto volume, uma treinadora bonita falando platitudes new age num microfone e justificando as acrobacias dos animais com uma conversa mole de que “eles fazem isso porque gostam”. Tilikum aparece no fim para dar um salto espetacular e molhar o público. A interação entre os domadores e os bichos parece genuinamente carinhosa.

Mas, ao final, fica uma sensação estranha. Um incômodo. “Blackfish” explicita por que aquilo tudo é moralmente inaceitável. “Depois de tanto tempo confinadas nesses tanques, eu pensei que as orcas houvessem encontrado uma maneira de ser uma família feliz”, diz Gabriela Cowperthwaite. “A realidade é o oposto disso. Há um conflito constante e elas não tem para onde fugir”.

Link para o trailer: http://www.youtube.com/watch?v=8OEjYquyjcg

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